No descarregar de um olhar
se perfila o fim de um horizonte
vazio
conceito de uma utopia desgarrada
de efeito sem hipótese
indefinida tese
e demonstração infinita..
A mente que tal olhar
controla, também ela
de vazios
abundantemente cheia
quieta se perfila
estática se solidifica
e o horizonte não alcança.
E o ser, andante
portador de tais desvios
se encurrilha
sobre si se enrosca
e, sem dar conta,
falece.
E o mundo
que segue em frente
em direcção ao horizonte
envelhece
e apodrece.
[CARLOS SOUSA RAMOS]
TALVEZ UM POEMA POR DIA
UMA TENTATIVA DE PARTILHAR POEMAS, UM POR DIA. CORREU BEM EM 2012. NÃO CORREU BEM EM 2013 E 2014. SERÁ QUE ESTE ANO DE 2015 É ESPECIAL E FARÁ COM QUE, DE NOVO, SE CUMPRA O DESEJADO?
quinta-feira, 14 de maio de 2015
quarta-feira, 13 de maio de 2015
E UMA PAIXÃO
visita-me
enquanto não envelheço
toma
estas palavras cheias de medo e surpreende-me
com teu
rosto de Modigliani suicidado
tenho
uma varanda ampla cheia de malvas
e o
marulhar das noites povoadas de peixes-voadores
vem
ver-me
antes que a bruma contamine os alicerces
as
pedras nacaradas deste vulcão a lava de desejo
subindo
à boca sulfurosa dos espelhos
vem
antes
que desperte em mim o grito
dalguma
terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-a
quando na tua ausência se prende às veias
prontas
a esvaziarem-se do rubro ouro
perco-te
no sono das marítimas paisagens
estas
feridas de barro e quartzo
os
olhos escancarados para a infindável água
vem
com teu
sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar
perto do coração que não sabe como tocar-te
[AL
BERTO (1948 – 1997)]
(O
Medo)
(in
Poemário Assírio & Alvim 2014)
terça-feira, 12 de maio de 2015
AS ÁRVORES
Pois
nós somos como troncos de árvore na neve. Temos a impressão de que assentam
sobre ela, e que com um pequeno empurrão seríamos capazes de os deslocar. Não, não
somos capazes, porque eles estão firmemente presos à terra. Mas – quem diria? –
até isso é ilusório.
[FRANZ KAFKA (1883 –
1924)]
(Parábolas e Fragmentos)
(selecção, tradução e
prefácio de João Barrento)
(in Poemário Assírio
& Alvim 2014)
segunda-feira, 11 de maio de 2015
POEMA QUASE EPITÁFIO
Violentamente só
desfeito em louco
- nem um gato lunar
te arranha um pouco
Morreram-te na família
irmão mais velhos
Restam retratos de vidro
e espelhos
Entre as fêmeas bendita
não te quis
As outras matastes
(nem há sangue que te baste)
O chão do teu país
deu-te água e uma raiz
muitas pedras nas prisões
- Senhor demónio dos sós
quando ele morrer
onde o pões?
[LUIZA NETO JORGE (1939 - 1989)]
[Poesia (1960 - 1989)]
(organização e prefácio de Fernando Cabral Martins)
(in Poemário Assírio & Alvim 2014)
desfeito em louco
- nem um gato lunar
te arranha um pouco
Morreram-te na família
irmão mais velhos
Restam retratos de vidro
e espelhos
Entre as fêmeas bendita
não te quis
As outras matastes
(nem há sangue que te baste)
O chão do teu país
deu-te água e uma raiz
muitas pedras nas prisões
- Senhor demónio dos sós
quando ele morrer
onde o pões?
[LUIZA NETO JORGE (1939 - 1989)]
[Poesia (1960 - 1989)]
(organização e prefácio de Fernando Cabral Martins)
(in Poemário Assírio & Alvim 2014)
domingo, 10 de maio de 2015
[A DISTÂNCIA]
A distância é cava
senão cova Escava
Os pais vigiam
dentro de um veio
no seio da terra
E os avós são reis
por detrás de um vidro
Do açúcar vem-lhes
a textura doce
mais antigos
mortos do que nós
mais vivos mais sós
como se fosse
um acidente
o pó
[LUIZA NETO JORGE (1939 - 1989)]
(Poesia)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
sábado, 9 de maio de 2015
[ÀS VEZES]
Às
vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
Em que
as cousas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto
a mim-próprio devagar
Porque sequer
atribuo eu
Beleza às
cousas.
Uma flor
acaso tem beleza?
Tem beleza
acaso um fruto?
Não:
têm cor e forma
E existência
apenas.
A beleza
é o nome de qualquer cousa que não existe
Que eu
dou às cousas em troca do agrado que me dão.
Não significa
nada.
Então porque
digo eu das cousas: são belas?
Sim,
mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis,
vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante
as cousas,
Perante
as cousas que simplesmente existem.
Que difícil
ser próprio e não ver senão o visível?
[ALBERTO
CAEIRO (FERNANDO PESSOA)]
(1888 –
1935)
(Poesia)
(edição
de Fernando Cabral Martins e de Richard Zenith)
(in
Poemário Assírio & Alvim 2013)
sexta-feira, 8 de maio de 2015
[NAS MADRUGADAS]
Nas madrugadas de segunda-feira
tinhas de regressar não sabíamos bem
a que fracção do tempo porque tudo se sobrepunha
e éramos forçados a deter
o instante não por ser
belo, apenas por ser água
onde nunca ninguém duas vezes entraria
[GASTÃO CRUZ (1941)]
(Fogo)
(in Poemário Assírio & Alvim 2014)
tinhas de regressar não sabíamos bem
a que fracção do tempo porque tudo se sobrepunha
e éramos forçados a deter
o instante não por ser
belo, apenas por ser água
onde nunca ninguém duas vezes entraria
[GASTÃO CRUZ (1941)]
(Fogo)
(in Poemário Assírio & Alvim 2014)
Subscrever:
Mensagens (Atom)