O Poeta precisamente só o será quando a sua imaginação for além da imaginação do Universo.
[ANTÓNIO MARIA LISBOA (1928 - 1953)]
(Poesia)
(in Poemário Assírio & Alvim 2014)
UMA TENTATIVA DE PARTILHAR POEMAS, UM POR DIA. CORREU BEM EM 2012. NÃO CORREU BEM EM 2013 E 2014. SERÁ QUE ESTE ANO DE 2015 É ESPECIAL E FARÁ COM QUE, DE NOVO, SE CUMPRA O DESEJADO?
terça-feira, 31 de março de 2015
segunda-feira, 30 de março de 2015
A ÁRVORE DA VIDA
A Árvore da Vida é adornada de belas flores
E em seu redor perfilam-se as mais garbosas hostes.
A sua crista domina o espaço imenso
E as planuras do céu recebem os frutos maduros.
Na ramaria, em glória pousa um bando de
esplendorosas aves
E as aves entoam cânticos de perfeita harmonia.
As folhas não secam e as flores não murcham
E antes crescem sua beleza e abundância.
Belo é o bando das aves que guarda a árvore
Luminosas as cores brilhando em milhares de penas.
Sem temor nem pecado em serena alegria
Por cada pena as aves cantam mil melodias.
[IRLANDÊS - AUTOR DESCONHECIDO ( FINAL DO SÉCULO X)]
( in O Grito do Gamo - poemas celtas da fé e do sagrado)
(tradução de José Domingos Morais)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
E em seu redor perfilam-se as mais garbosas hostes.
A sua crista domina o espaço imenso
E as planuras do céu recebem os frutos maduros.
Na ramaria, em glória pousa um bando de
esplendorosas aves
E as aves entoam cânticos de perfeita harmonia.
As folhas não secam e as flores não murcham
E antes crescem sua beleza e abundância.
Belo é o bando das aves que guarda a árvore
Luminosas as cores brilhando em milhares de penas.
Sem temor nem pecado em serena alegria
Por cada pena as aves cantam mil melodias.
[IRLANDÊS - AUTOR DESCONHECIDO ( FINAL DO SÉCULO X)]
( in O Grito do Gamo - poemas celtas da fé e do sagrado)
(tradução de José Domingos Morais)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
domingo, 29 de março de 2015
PORTAS FECHADAS
As sombras repetem-se
e chegam trémulas
ao pé das cidades.
Ninguém quer abrir as
portas
com medo da epidemia.
O sangue desce das
montanhas
e interna-se nos
hospitais.
Nos quartéis choram os
cavalos
e não querem ouvir
falar de guerra,
têm más recordações,
pensam nas pradarias
e nas suas
companheiras de amor.
Os cavalos são ternos
e olham com dor para
os torturados.
De noite ouvem os
gemidos
e os seus cascos batem
para espantar os
mortos.
Assim é agora a
epidemia do sangue.
Sobre os ombros dos
vinte anos
a morte cruel caminha
e é estrondo,
chama ou cinza
arrastada pelo vento.
[MATILDE ESPINOSA
(1910 – 2008)]
[in Um País que Sonha –
cem anos de poseis colombiana (1865 – 1964)]
(selecção e prólogo de
Lauren Mendinueta, tradução de Nuno Júdice)
(in Poemário Assírio
& Alvim 2014)
sábado, 28 de março de 2015
[O MILAGRE]
O milagre é a preguiça de Deus, ou, antes, a preguiça que Lhe atribuímos, inventando o milagre.
BERNARDO SOARES
[FERNANDO PESSOA (1888 - 1935)]
(Aforismos e Afins)
(edição e prefácio de Richard Zenith, tradução de Manuela Rocha)
(in Poemário Assírio & Alvim, 2014)
BERNARDO SOARES
[FERNANDO PESSOA (1888 - 1935)]
(Aforismos e Afins)
(edição e prefácio de Richard Zenith, tradução de Manuela Rocha)
(in Poemário Assírio & Alvim, 2014)
sexta-feira, 27 de março de 2015
[O HOMEM PERFEITO]
O
Homem perfeito deve viver, por assim dizer, em diversos lugares e em vários
Homens, simultaneamente – é necessário que lhe estejam constantemente presentes
múltiplos acontecimentos e um círculo mais vasto. Assim se forma, então, a
verdadeira e grandiosa presença do espírito – que faz do Homem um verdadeiro
cidadão do mundo e o estimula e fortalece em cada momento da sua vida, através
das mais benéficas associações e o coloca na clara disposição de uma actividade
lúcida.
[NOVALIS (1772 - 1801)]
(Fragmentos de Novalis)
(selecção, tradução e desenhos de Rui Chafes)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
quinta-feira, 26 de março de 2015
COMO COMEÇOU TUDO ISTO
Como começou tudo isto, e porque estou aqui
Neste balcão arqueado com a sua pintura castanha a desfazer-se?
Papegaai, Mezcal, Hennessey, Cerveza,
Duas escarradeiras viscosas, sem companhia a não ser o medo:
Medo da luz, da Primavera, do lamento
Das aves, e dos autocarros voando para longínquas paragens,
E dos estudantes que vão às corridas
E das raparigas que saltam com o vento nas suas caras,
Mas sem companhia, sem companhia a não ser o medo:
Medo da fonte que canta e de todas as flores
Que conhecem o sol e são meus inimigos.
E estar horas mortas?
[MALCOLM LOWRY (1909 - 1957)]
(As Cantinas e Outros Poemas de Álcool e do Mal)
(selecção e tradução de José Agostinho Baptista)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013
Neste balcão arqueado com a sua pintura castanha a desfazer-se?
Papegaai, Mezcal, Hennessey, Cerveza,
Duas escarradeiras viscosas, sem companhia a não ser o medo:
Medo da luz, da Primavera, do lamento
Das aves, e dos autocarros voando para longínquas paragens,
E dos estudantes que vão às corridas
E das raparigas que saltam com o vento nas suas caras,
Mas sem companhia, sem companhia a não ser o medo:
Medo da fonte que canta e de todas as flores
Que conhecem o sol e são meus inimigos.
E estar horas mortas?
[MALCOLM LOWRY (1909 - 1957)]
(As Cantinas e Outros Poemas de Álcool e do Mal)
(selecção e tradução de José Agostinho Baptista)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013
quarta-feira, 25 de março de 2015
[cheirava mal]
cheirava mal, a morto, até me
purificarem pelo fogo,
e alguém pegou nas cinzas e
deitou-as na retrete e puxou o autoclismo,
requiescat in pace,
e eu não descanso em paz nas
retretes terrestres,
a água puxaram-na talvez para
inspirar o epitáfio,
como quem diz:
aqui vai mais um poeta antigo, já
defunto, é certo, mas em vernáculo e
tudo,
que
Deus, ou o equívoco dos peixes, ou a ressaca,
o
receba como ambrósia sutilíssima nas profundezas dos esgotos,
merda
perpétua,
e
fique enfim liberto do peso e agrura do seu nome:
vita
nuova para este rouxinol dos desvãos do mundo,
passarão
a quem aos poucos foi falhando o sopro
até
a noite desfazer o canto,
errático
canto e errado no coração da garganta,
canto
que o trespassava pela metade das músicas
-
e ao toque no autoclismo ascendia a golfada de merda enquanto
as turvas águas últimas
se
misturavam com as águas primeiras
[HERBERTO HELDER (1930 – 2015)]
(de Servidões, in Poemas Completos, porto Editora, 2014)
(publicado a 25.03.2015
no Jornal Público)
terça-feira, 24 de março de 2015
A UM HOMEM DO PASSADO
Estes são os tempos futuros que temia
o teu coração que mirrou sobre pedras,
que podes recear agora tão fundo,
onde não chegam as aflições nem as palavras duras?
Desceste em andamento, afinal era
tudo tão evitável como o resto.
Viraste-te para o outro lado e sumiram-se
da tua vida os bons e os maus momentos.
Tu ainda tinhas essa porta à mão.
(Aposto que a passaste com um vénia desdenhosa.)
Agora já não é possível morrer ou,
pelo menos, já não chega fechar os olhos.
[MANUEL ANTÓNIO PINA (1943 - 2012)]
(Todas as Palavras - poesia reunida (1974 - 2011))
(in Poemário Assírio & Alvim 2014)
o teu coração que mirrou sobre pedras,
que podes recear agora tão fundo,
onde não chegam as aflições nem as palavras duras?
Desceste em andamento, afinal era
tudo tão evitável como o resto.
Viraste-te para o outro lado e sumiram-se
da tua vida os bons e os maus momentos.
Tu ainda tinhas essa porta à mão.
(Aposto que a passaste com um vénia desdenhosa.)
Agora já não é possível morrer ou,
pelo menos, já não chega fechar os olhos.
[MANUEL ANTÓNIO PINA (1943 - 2012)]
(Todas as Palavras - poesia reunida (1974 - 2011))
(in Poemário Assírio & Alvim 2014)
segunda-feira, 23 de março de 2015
[MUITAS CANÇÕES]
Muitas canções começam no fim, em cidades
estranhas. Sei
que a felicidade dos meses é ao meio dia e a força
de um homem é ao meio
da vida pura. Mas são muitas
as canções que começam no fim.
É no fim que secamente falam do ardor
ao meio
da cidade e da existência que se volta
para si, de rosto - tremente
e verde de sua ilusão. Canções cada vez
mais no seu fim , tão secas voltadas
imenso para trás. Para onde
é todo o poder. Conheço
horríveis canções cor de coisas transtornadas.
Canções ainda repletas de peixes, flechas, dedos
agudos abertos em torno do sexo.
Começam no fim do seu pensamento.
São para morrer na véspera, com um lento
pavor no coração e o povo
atónito por todos os lados. Porque o povo
não sabe que um homem morre antes da sua
última canção.
[HERBERTO HELDER (1930)]
(Ofício Cantante)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
estranhas. Sei
que a felicidade dos meses é ao meio dia e a força
de um homem é ao meio
da vida pura. Mas são muitas
as canções que começam no fim.
É no fim que secamente falam do ardor
ao meio
da cidade e da existência que se volta
para si, de rosto - tremente
e verde de sua ilusão. Canções cada vez
mais no seu fim , tão secas voltadas
imenso para trás. Para onde
é todo o poder. Conheço
horríveis canções cor de coisas transtornadas.
Canções ainda repletas de peixes, flechas, dedos
agudos abertos em torno do sexo.
Começam no fim do seu pensamento.
São para morrer na véspera, com um lento
pavor no coração e o povo
atónito por todos os lados. Porque o povo
não sabe que um homem morre antes da sua
última canção.
[HERBERTO HELDER (1930)]
(Ofício Cantante)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
domingo, 22 de março de 2015
[A NATUREZA]
A natureza
é a diferença entre a alma e Deus.
[FERNANDO PESSOA]
(Aforismos e Afins)
(edição e prefácio de Richard Zenith, tradução de Manuela Rocha)
(in Poemário Assírio & Alvim, 2013)
é a diferença entre a alma e Deus.
[FERNANDO PESSOA]
(Aforismos e Afins)
(edição e prefácio de Richard Zenith, tradução de Manuela Rocha)
(in Poemário Assírio & Alvim, 2013)
sábado, 21 de março de 2015
O DIA
O
dia nasceu quente
como
que a dizer
que
talvez fosse possível fazer
algo
com as palavras
que
se perfilavam na mente
fruto
do estado de ebulição
a
que as ideias, à procura de uma criação,
sujeitas
se encontravam.
O
dia assim o exigia,
há
muito, que muitos
a
isso se dedicavam
e
ele, qual vulcão sem tampa
sentia
que mais dia menos dia
expeliria
através
da pena conduzida
pela
sua mão indecisa, algo
do
qual não desdenharia.
Foi
crescendo o dia
foi,
a lava,
do
seu acordado desejo vulcânico,
em
crescendo,
subindo
as paredes
que
empacotavam o seu caminho,
até
que, já exausto,
pois
o que lhe saía
era
de uma atroz tristeza,
querendo
ele dar voz
à
beleza que sentia,
rasgou
os papéis
do
seu caderno pautado
não
sem antes gritar
….
maldito dia da poesia.
[Carlos
Sousa Ramos_21.03.2015]
P.S.:
Não vá alguém interpretar mal, este texto não é autobiográfico, não me sinto
assim, triste, depressivo, como o poeta do poema, bem pelo contrário.
sexta-feira, 20 de março de 2015
[A VANTAGEM]
A vantagem dos símbolos
é que não incomodam ninguém.
[FERNANDO PESSOA (1888 - 1935)]
(Aforismos e Afins)
(edição e prefácio de Richard Zenith, tradução de Manuela Rocha)
(in Poemário Assírio & Alvim 2014)
é que não incomodam ninguém.
[FERNANDO PESSOA (1888 - 1935)]
(Aforismos e Afins)
(edição e prefácio de Richard Zenith, tradução de Manuela Rocha)
(in Poemário Assírio & Alvim 2014)
quinta-feira, 19 de março de 2015
AS VOZES
A infância vem
pé ante pé
sob as escadas
e bate à porta
- Quem é?
- É a mãe morta?
- São coisas passadas
- Não é ninguém
Tantas vozes fora de nós!
E se somos nós quem está lá fora
e bate à porta? E se nos fomos embora?
E se ficámos sós?
[MANUEL ANTÓNIO PINA (1943 - 2012)]
(Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança)
(in Poemário Assírio & Alvim 2014)
pé ante pé
sob as escadas
e bate à porta
- Quem é?
- É a mãe morta?
- São coisas passadas
- Não é ninguém
Tantas vozes fora de nós!
E se somos nós quem está lá fora
e bate à porta? E se nos fomos embora?
E se ficámos sós?
[MANUEL ANTÓNIO PINA (1943 - 2012)]
(Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança)
(in Poemário Assírio & Alvim 2014)
quarta-feira, 18 de março de 2015
O SINEIRO
Enquanto o sino acorda a sua voz tão clara
Ao ar puro e profundo e límpido do dia
E aflora a criança, solícita, a lançar-lhe
Entre a alfazema e o timo a sua avé-maria,
O sineiro que a ave, ao alumiá-la, roça,
Tristemente postado, engrolando o latim,
Na pedra a retesar, por séculos, a corda,
Não ouve mais que um eco a soar no infinito.
Sou esse homem. Mas ai! da noite desejante
Bem posso ressoar, puxando, o Ideal:
Dos pecados só treme uma nobre plumagem,
E a voz só me vem em soluços e vã!
Mas um dia, cansado de puxar, puxar,
Hei-de a pedra tirar, Satã, e enforcar-me.
[STÉPHANE MALLARMÉ (1842 - 1898)]
(Poesias)
(tradução, prefácio e notas de José Augusto Seabra)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
Ao ar puro e profundo e límpido do dia
E aflora a criança, solícita, a lançar-lhe
Entre a alfazema e o timo a sua avé-maria,
O sineiro que a ave, ao alumiá-la, roça,
Tristemente postado, engrolando o latim,
Na pedra a retesar, por séculos, a corda,
Não ouve mais que um eco a soar no infinito.
Sou esse homem. Mas ai! da noite desejante
Bem posso ressoar, puxando, o Ideal:
Dos pecados só treme uma nobre plumagem,
E a voz só me vem em soluços e vã!
Mas um dia, cansado de puxar, puxar,
Hei-de a pedra tirar, Satã, e enforcar-me.
[STÉPHANE MALLARMÉ (1842 - 1898)]
(Poesias)
(tradução, prefácio e notas de José Augusto Seabra)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
terça-feira, 17 de março de 2015
PERGUNTA DE AMOR
E tudo isto é verdade,
Meu querido amigo?
Que a luz do relâmpago nos meus olhos
Faz as nuvens do teu coração explodirem e arderem,
É verdade?
Que os meus doces lábios são vermelhos como uma jovem
e ruborizada noiva,
Meu querido amigo,
É verdade?
Que uma árvore do paraíso floresce dentro de mim,
Que os meus passos soam como vinas debaixo de mim,
É verdade?
Que a noite derrama gotas de orvalho quando me vê,
Que a alvorada me rodeia com a luza das delícias,
É verdade?
Que o toque da minha face quente intoxica a brisa,
Meu querido amigo,
É verdade?
Que a luz do dia se esconde na escuridão do meu cabelo,
Que os meus braços abrigam a vida e a morte no seu poder,
É verdade?
[...]
[RABINDRANATH TAGORE (1861 -1941)]
(Poesia)
(selecção e tradução de José Agostinho Baptista)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
Meu querido amigo?
Que a luz do relâmpago nos meus olhos
Faz as nuvens do teu coração explodirem e arderem,
É verdade?
Que os meus doces lábios são vermelhos como uma jovem
e ruborizada noiva,
Meu querido amigo,
É verdade?
Que uma árvore do paraíso floresce dentro de mim,
Que os meus passos soam como vinas debaixo de mim,
É verdade?
Que a noite derrama gotas de orvalho quando me vê,
Que a alvorada me rodeia com a luza das delícias,
É verdade?
Que o toque da minha face quente intoxica a brisa,
Meu querido amigo,
É verdade?
Que a luz do dia se esconde na escuridão do meu cabelo,
Que os meus braços abrigam a vida e a morte no seu poder,
É verdade?
[...]
[RABINDRANATH TAGORE (1861 -1941)]
(Poesia)
(selecção e tradução de José Agostinho Baptista)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
segunda-feira, 16 de março de 2015
HORIZONTE
Cresces muito sobre a incerteza do tempo,
quando todos se afastam.
Manejas perfeitamente as armas brancas e
bates, intempestivamente,
às portas negras do último homem.
És a lâmpada infinita que se ergue no horizonte.
E, sobre as tempestades,
não sei se verei o amanhecer.
Canto, preparo os bálsamos, murmuro cem vezes
uma prece,
uma magia, com as vozes que nunca esqueci.
Já não falta muito para que toques a minha fronte,
a sua febre mortal.
[JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA (1948)]
(Quatro Luas)
(in Poemário Assírio & Alvim
quando todos se afastam.
Manejas perfeitamente as armas brancas e
bates, intempestivamente,
às portas negras do último homem.
És a lâmpada infinita que se ergue no horizonte.
E, sobre as tempestades,
não sei se verei o amanhecer.
Canto, preparo os bálsamos, murmuro cem vezes
uma prece,
uma magia, com as vozes que nunca esqueci.
Já não falta muito para que toques a minha fronte,
a sua febre mortal.
[JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA (1948)]
(Quatro Luas)
(in Poemário Assírio & Alvim
domingo, 15 de março de 2015
A UM JOVEM POETA
Procura a rosa.
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti. Procura-a em prosa, pode ser
que em prosa ela floresça
ainda, sob tanta
metáfora; pode ser, e que quando
nela te vires te reconheças
como diante de uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.
Talvez possas então
escrever sem porquê,
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.
[MANUEL ANTÓNIO PINA]
(Poesia, Saudade da Prosa - uma antologia pessoal)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti. Procura-a em prosa, pode ser
que em prosa ela floresça
ainda, sob tanta
metáfora; pode ser, e que quando
nela te vires te reconheças
como diante de uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.
Talvez possas então
escrever sem porquê,
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.
[MANUEL ANTÓNIO PINA]
(Poesia, Saudade da Prosa - uma antologia pessoal)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
sábado, 14 de março de 2015
VAZIO NO MEIO DO MAR
Quem ama o tempo como eu nesta manha de ruídos
que se afastam de mim e me fazem sentir
vazio no meio do mar?
Quem devora este ar tão benfazejo à boca
e ao replicar das ondas
nos ouvidos como sinos de água?
Um tempo que se curva,
como o início nos joelhos dobrados na infância,
na mãe obsessiva,
e vem,
como de onda em onda,
transportando as dores, até este rochedo
que me suga os anos
e morde, devagar, a memória
da vida.
[ARMANDO SILVA CARVALHO (1938)]
(De Amore)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
que se afastam de mim e me fazem sentir
vazio no meio do mar?
Quem devora este ar tão benfazejo à boca
e ao replicar das ondas
nos ouvidos como sinos de água?
Um tempo que se curva,
como o início nos joelhos dobrados na infância,
na mãe obsessiva,
e vem,
como de onda em onda,
transportando as dores, até este rochedo
que me suga os anos
e morde, devagar, a memória
da vida.
[ARMANDO SILVA CARVALHO (1938)]
(De Amore)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
sexta-feira, 13 de março de 2015
[O PRÓPRIO SONHO]
O próprio sonho me castiga. Adquiri nele tal lucidez que
vejo como real cada coisa que sonho. Eu perdi, portanto, tudo
quanto a valorizava como sonhada.
Sonho-me famoso? Sinto todo o despimento que há na
glória, toda a perda da intimidade e do anonimato com que ela
é dolorosa para connosco.
[FERNANDO PESSOA (1888 - 1935)]
(Livro do Desassossego - composto por Bernardo Soares,
ajudante de guarda- livros na cidade de Lisboa)
(edição de Richard Zenith)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
vejo como real cada coisa que sonho. Eu perdi, portanto, tudo
quanto a valorizava como sonhada.
Sonho-me famoso? Sinto todo o despimento que há na
glória, toda a perda da intimidade e do anonimato com que ela
é dolorosa para connosco.
[FERNANDO PESSOA (1888 - 1935)]
(Livro do Desassossego - composto por Bernardo Soares,
ajudante de guarda- livros na cidade de Lisboa)
(edição de Richard Zenith)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
quinta-feira, 12 de março de 2015
[NÃO PERSCRUTES]
Não perscrutes o teu anónimo futuro,
Lídia, é igual o futuro perscrutado
Ao que não perscrutarás,
Quem o deu, o deu feito.
Disformes sonhos antecipam coisas
Que serão piores que os disformes sonhos.
No temor do futuro
Nos futuros perscrutamos (?).
Sabe ver só até o horizonte
E o dia, memora da flor hesterna
Mais do que melhor fruto
Que talvez não colhamos.
[RICARDO REIS ( FERNANDO PESSOA) - (1888 - 1935)]
Poesia
(edição de Manuela Parreira da Silva)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
Lídia, é igual o futuro perscrutado
Ao que não perscrutarás,
Quem o deu, o deu feito.
Disformes sonhos antecipam coisas
Que serão piores que os disformes sonhos.
No temor do futuro
Nos futuros perscrutamos (?).
Sabe ver só até o horizonte
E o dia, memora da flor hesterna
Mais do que melhor fruto
Que talvez não colhamos.
[RICARDO REIS ( FERNANDO PESSOA) - (1888 - 1935)]
Poesia
(edição de Manuela Parreira da Silva)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
quarta-feira, 11 de março de 2015
[ESTOU]
Estou a um palmo da parede. Pergunto - se queres saber o
que oiço -
O que disseste a Elias?: Elias
O que fazes aqui?
Sim, alteio os meus olhos
Conto-te o que nunca escrevo nos muros
Junto-me aos animais com sede
Estou a um palmo do teu palmo e depois
Não estás nas águas nem na sede ou no teu nome
Estou a um plano do teu silêncio e alteio
O silêncio. A boca mais alta do meu grito
[DANIEL FARIA (1971 - 1999)]
Poesia
(edição de Vera Vouga)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
que oiço -
O que disseste a Elias?: Elias
O que fazes aqui?
Sim, alteio os meus olhos
Conto-te o que nunca escrevo nos muros
Junto-me aos animais com sede
Estou a um palmo do teu palmo e depois
Não estás nas águas nem na sede ou no teu nome
Estou a um plano do teu silêncio e alteio
O silêncio. A boca mais alta do meu grito
[DANIEL FARIA (1971 - 1999)]
Poesia
(edição de Vera Vouga)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
segunda-feira, 9 de março de 2015
[NA MEIA NOITE]
Na meia noite
das cidades interiores
em ruínas,
a um golpe da tua luz,
rebentarão as velhas almas
como vulcões maduros
ou metais saturados
enfurecendo as minas.
E enquanto a lua de vinagre
revolver num vómito
as alturas,
hão-de passar como um arrepio
para logo morrerem,
estremecentes e roxas,
as unhas da volúpia
na pele das coisas puras.
[CARLOS DE OLIVEIRA (1921 - 1981)]
(Trabalho Poético)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
das cidades interiores
em ruínas,
a um golpe da tua luz,
rebentarão as velhas almas
como vulcões maduros
ou metais saturados
enfurecendo as minas.
E enquanto a lua de vinagre
revolver num vómito
as alturas,
hão-de passar como um arrepio
para logo morrerem,
estremecentes e roxas,
as unhas da volúpia
na pele das coisas puras.
[CARLOS DE OLIVEIRA (1921 - 1981)]
(Trabalho Poético)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)
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