segunda-feira, 20 de abril de 2015

[ONDE TERÁ COMEÇADO]

Onde terá começado a metalização da fala?

uma porta em alvenaria dá acesso
à eira de misteriosos e profundos limos

onde terei esquecido a cicatriz azul da escrita?

uma flor invade os veios secos da pedra
incendeia-se antes de se diluir na poeira

onde terei dado de beber à melancolia da
há pistas estreitas de animal ferido pelas paredes memória?

o sangue transmutado em raríssimo metal
faz do coração e das veias a possível mina

onde vibrará a selvagem luminosidade dos pulsos?

dentro do sonho segui-las-emos ao amanhecer

onde se esconderá o diminuto rosto ainda vivo?

insondáveis são as catástrofes da alma
e da loucura que já não nos prende um ao outro

que destino nos revela a mão sem linha da vida?

escuto o bater do tempo sob as pálpebras
e o terrível som da máquina de escrever

         de <<Uma Existência de Papel>>: Os Dias Sem Ninguém, 1984/85

[AL BERTO (1948 – 1997)]
(Vigília)

(in Poemário Assírio & Alvim 2013)

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