sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

DÓI-ME QUEM SOU

Dói-me quem sou. E em meio da emoção
Ergue a fronte de torre um pensamento.
É como se na imensa solidão
De uma alma a sós consigo, o coração
Tivesse cérebro e conhecimento.

Numa amargura artificial consisto,
Fiel a qualquer ideia que não sei,
Como um fingido cortesão me visto
Dos trajes majestosos em que existo
para a presença artificial do rei.

Sim, tudo é sonhar quanto sou e quero.
Tudo das mãos caídas se deixou.
Braços dispersos, desolado espero.
Mendigo pelo fim do desespero,
Que quis pedir esmola e não ousou.

[FERNANDO PESSOA (1888 - 1935)]
(Poesia 1918-1930)
(edição de Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas e Madalena Dine)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)

Sem comentários:

Enviar um comentário