quinta-feira, 26 de abril de 2012

Fragmentos de O VELHO CASTELO

1
Homem, estranha encarnação da NATUREZA,
Soberbo, criação efémera, poderei eu olhar
Para ti indiferente e, calmo observar
Tua alegria e dor, na luta do mundo
E teu último e longo cerrar de olhos na morte?
Gosto de olhar os teus modos, de contemplar
Teus lugares, de espreitar teu lar, de encontrar
Nos teus pequenos actos algo grande.
Pois posso em mim descobrir um sentido sublime
De que nasci para pensar, para sentir
E não para olhar em vão o que acontece;
Em momentos de calma e repouso eu senti
Uma nobre comoção e uma desusada alegria
Brotou em meu peito, e também gratidão,
Trazendo aos olhos a surpresa das lágrimas:
Donde vem não sei, mas quando me detenho
Neste todo conjunto e envolvente
Vejo por trás uma enorme força e poder
Cujo rosto é como música, invulgar e plena,
Que eleva meu coração e ultrapassa
Os limites da razão humana; música essa
Que me envolve todo num esquecimento
Das coisas banais e das ideias banais como elas.

ALEXANDRE SEARCHE (FERNANDO PESSOA) (1885 – 1935) – Poesia
(edição e tradução de Luísa Freire)

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