terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

PALÁCIO DE GELO

Os charcos formavam um dominó decapitado de edifícios, dos quais um era o torreão, que me contaram na infância, de uma só janela, tão alta como os olhos da mãe quando se inclinam sobre o berço.
    Perto da janela pende um enforcado que se balanceia sobre o abismo de eternidade, uivando de espaço. SOU EU. É o meu esqueleto de que já não restam senão os olhos. Tão depressa riem como se me entortam, ou VÃO COMER UMA MIGALHA DE PÃO NO INTERIOR DO MEU CÉREBRO. Abre-se a janela e aparece uma dama a pôr polisoir nas unhas. Quando as vê suficientemente afiadas arranca-me os olhos e atira-os para a rua. Ficam-me as órbitas sozinhas, sem olhar, sem mar, sem desejos, sem frangos, sem nada.
      Uma enfermeira vem sentar-se ao meu lado na mesa do café. Desdobra um jornal de 1856 e lê com voz emocionada:
   <<Quando os soldados de Napoleão entraram em Saragoça, na VIL SARAGOÇA, só encontraram o vento pelas ruas desertas. Só num charco grasnavam os olhos de Luis Bunuel. Os soldados de Napoleão acabaram-nos à baioneta.>>

LUIS BUNUEL (1900 – 1983) Os Poemas de Luis Bunuel (organização d J.F.Aranda)(tradução de Mário Cesariny)

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