quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

COMO UMA VOZ

Como uma voz de fonte que cessasse
(E uns para os outros nossos vãos olhares
Se admiraram), p'ra além dos meus palmares
De sonho, a voz que do meu tédio nasce

Parou... Apareceu já sem disfarce
De música longínqua, asas nos ares,
O mistério silente como os mares,
Quando morreu o vento e a calma pasce...

A paisagem longínqua só existe
Para haver nela um silêncio em descida
P'ra o mistério, silêncio a que hora assiste...

E, perto ou longe, grande lago mudo,
O mundo, o informe mundo onde há a vida...
E Deus, a Grande Ogiva ao fim de tudo...

[FERNANDO PESSOA (1888 - 1935)]
(Poesia 1902-1917)
(edição de Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas e Madalena Dine)
(in Poemário Assírio & Alvim 2013)

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