NUVENS
Antes de adormecer o corpo luta
pelas falsas imagens que transitam
para o sono
como para uma praia onde se salve
a existência náufraga da água
Nada do que ele vê é o que lhe
mostrou o tempo que o agride e ama
Como os olhos do sonho criará
a realidade em fogo que o amor
já não pode alcançar
então as nuvens através das
quais o mundo volta aos olhos
crescem até que a tempestade mate
todo o passado
[GASTÃO CRUZ (1941)]
[Os Poemas (1960 - 2006)]
ASCESE
Há os que se deitam sobre a relva
Como sombras que dormem sobre túmulos.
tu, porém, dormes sobre a morte
A longa ausência que há dentro dos poemas
[DANIEL FARIA (1971 - 1999)]
[Poesia (edição de Vera Vouga)]
CORPO
que te seja leve o peso das estrelas
e da tua boca irrompa a inocência nua
dum lírio cujo caule se estende e
ramifica para lá dos alicerces da casa
abre a janela debruça-te
deixa que o mar inunde os órgãos do corpo
espalha lume na ponta dos dedos e toca
ao de leve aquilo que deve ser preservado
mas olho para as mãos e leio
o que o vento norte escreveu sobre as dunas
levanto-me do fundo de ti humilde lama
e num soluço da respiração sei que estou vivo
sou o centro sísmico do mundo
[AL BERTO (1948 - 1997)]
[Vigílias (selecção e prólogo de José Agostinho Baptista)]
(in, todos os três, em Poemário Assírio & Alvim 2013)
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