sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O AZUL


Do eternamente Azul a serena ironia
Abate, indolentemente bela como as flores,
O poeta impotente que o seu génio maldiz
Ao longo de um deserto sobre a aridez das Dores.

Furtivo, olhos fechados, sinto-o bem que remira
Com o terror intenso dum remorso por dentro,
A minha alma vã. Onde fugir? Delírio
De que noite lançar, farrapos, ao desprezo?

Nevoeiros, subi! Vertei as cinzas mornas
Com remendos de bruma esparsos pelos céus
Que afogará o charco lívido dos outonos
E construí um largo e silencioso tecto!

E tu, sai dos letais paúis e arrepanha,
Ao cercarem-se, a lama e os pálidos caniços,
Caro Tédio, a tapar com a mão jamais lassa
Os buracos azuis que as aves más abrirem.

[…]

STÉPHANE MALLARMÉ (1842 – 1898) – Poesias Lidas por Fernando Pessoa
8tradução e prefácio de José Augusto Seabra)

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