quarta-feira, 21 de novembro de 2012

CHOVIA A BOM CHOVER


Chovia a bom chover e eu fui dar a um aldeia
com poucas luzes. Tinhas uma lareira e estavas
só, pude encarar o lume na tua cara a aproveitar
um estranho para confissões. O pequeno copo
de um trago e outro e outro, para que eu, que nem
sequer sabia o teu nome, ouvisse. Viúvo de tantas
coisas, filho de tanto sentir, mesmo o mais proibido
por quem proibido foi, seria riscado do mapa,
nada mais desejaria. Vi-lhe uma lágrima ao canto
do olho. Seria verdade? seria do álcool? seria
da verdade do álcool? Eu não tinha para onde ir
(chovia a bom chover) e pensei portanto que era
o preço a pagar por cama e pequeno-almoço.
Mas sinceramente não esperava um ataque
de surpresa, ainda por cima condenado ao fracasso.
Pediu-me desculpa e quando me fui deitar
tinha aos pés uma botija de água quente.

HELDER MOURA PEREIRA (1949) - A Tua Cara Não Me É Estranha

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