O padre da paróquia de Montelabreve esteve bem
até há quinze dias. De repente meteu-se
na cama e morreu com a cabeça encostada aos dois pavões azuis pintados na
parede do quarto.
À sobrinha que estava sentada ali ao pé, mesmo um
segundo antes de fechar os olhos para sempre, olhou para ela e depois levou o
dedo aos lábios e, baixinho como se fosse um sopro, fez: <schiu!>; em
suma, dizia-lhe que estivesse calada. Calada a respeito de quê? Estaria já a
ouvir outras vozes? Se calhar uma música que lhe vinha lá de cima? Ou queria
que ela não dissesse que ele estava a morrer? Ou, se não, um conselho para se
calar na vida em geral? Ou era ele que mandava calar-se a si próprio, com o
medo que faziam as palavras que se lhe derretiam na boca?
Desse dia em diante a sobrinha compreendeu que dessas
coisas não devia falar com ninguém. E de vez em quando volta a olhar para os
dois pavões azuis que estão a desvanecer-se da parede.
TONINO GUERRA (1920) – O Livro das Igrejas Abandonadas
(tradução de José Colaço Barreiros)
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