sexta-feira, 11 de maio de 2012

AO MEU ABUTRE

      Este abutre voraz de cenho torvo
que me come as entranhas, carniceiro,
e é meu único, constante companheiro,
lavra-me as penas com seu bico curvo.

      No dia em que deva o último sorvo
Beber de meu negro sangue, requeiro
Que me deixeis com ele só fronteiro
Em momento, sem mais ninguém de estorvo.

      Pois quero fazer triunfo de agonia,
Enquanto ele os meus despojos traga,
Surpreender em seus olhos a sombria

olhada ante a ameaça da aziaga
sorte, sem ter em quem satisfazia
a fome atroz que nunca se lhe apaga.
                                                                              Salamanca, 26- X – 1910

MIGUEL DE UNAMUNO (1869 – 1936) – Antologia Poética
(selecção, tradução , prólogo e notas de José Bento)

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