quarta-feira, 2 de maio de 2012

OS TRANSEUNTES

Quando andamos a passear à noite por uma rua e um homem que já avistamos de longe – porque a rua à nossa frente sobe e há lua cheia – vem ao nosso encontro, não vamos agarrá-lo, mesmo que ele esteja fraco e esfarrapado, mesmo se vier alguém aos gritos atrás dele, mas deixamo-lo seguir o seu caminho.
Porque é de noite e a culpa não é nossa se a rua à nossa frente sob e há lua cheia. Para além disso, talvez aqueles dois só se estivessem a divertir com a perseguição, talvez ambos persigam um terceiro, talvez o primeiro esteja a ser perseguido injustamente, talvez o segundo queira matar o outro e nós seríamos cúmplices no assassinato, talvez os dois não saibam nada um do outro e cada um vá para a cama por decisão própria, talvez sejam sonâmbulos, talvez o primeiro esteja armado.
E por fim, não será que somos nós que estamos cansados? Não bebemos vinho a mais? Ficamos aliviados por já não ver também o segundo.
FRANZ KAFKA (1883 – 1924) – Parábolas e Fragmentos
(selecção, tradução e prefácio de João Barrento)

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