QUANDO VIER a primavera
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da
mesma maneira
E as árvores não serão
menos v erdes que na primavera passada.
A realidade não precisa
de mim.
Sinto uma alegria
enorme
Ao pensar que a minha
morte não tem importância nenhuma.
Se soubesse que amanhã
morria
E a primavera era
depois de amanhã,
Morreria contente,
porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo,
quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja
real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim
seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer
agora, morro contente,
Porque tudo é real e
tudo está certo.
Podem rezar latim sobre
o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem
dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências
para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for,
é que será o que é.
ALBERTO CAEIRO
(FERNANDO PESSOA) (1888 – 1935) – Poesia
8edição de
Fernando Cabral Martins e de Richard Zenith)
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