sábado, 14 de julho de 2012

A UM AMIGO QUE RETIRADO DA CORTE PASSOU A SUA VIDA


    Ditoso tu, porque em tua cabana,
moço e velho espiraste a brisa pura,
servindo-te de berço e sepultura
de palha o tecto, o solho de espadana.
    Na solidão em que, livre, se ufana
silente o sol com chama mais segura,
cada um dos dias mais espaço dura,
e a hora, sem ter voz, te desengana.
    Tu não contas por cônsules os anos;
teu calendário fazem-nos as colheitas;
pisas todo o teu mundo sem enganos.
    De tudo quanto ignoras te aproveitas;
prémios não buscas nem padeces danos,
tanto mais vives quanto mais te estreitas.

FRANCISCO QUEVEDO (1580 – 1645) – Antologia Poética
(selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento)

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