quarta-feira, 15 de agosto de 2012

BÁLSAMO

Sobretudo um bálsamo que enfeitiçadas mãos
inventassem
em idades de amarga e má fortuna,
quando sobre o abismo interrogavas o grande
livro do mar,
sobretudo um bálsamo para a recordação das
escarpas que dilaceram em plena queda a
pele, os músculos, os ossos que já nada
podem fazer pela primavera e pelo amor,
sobretudo um bálsamo
para tudo aquilo que passa velozmente,
um berço sem música, sem rendas,
o corpo abrindo as suas corolas sob o olhar
das mães,
crescendo, já magoado e violento, para os
punhais do desejo, para os seus venenos,
sobretudo um bálsamo para a recordação das chaminés,
da irmã que já não canta ao lado dos
malmequeres,
das paredes com a cal abandonada, e sobre
a cal,
a atroz evidência da tua carne a desfazer-se.

JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA (1948) – Biografia

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