quarta-feira, 29 de agosto de 2012

LISBOA, NOIVA DO TEJO


Sejamos mais sinceros.
Nem sempre o caldo (ainda que instantâneo)
nos aquece o corpo.
Nem mesmo a terna mão de plástico
Que nos ensaboa lentamente
o cérebro.
A máquina debruça-se no limiar
da alma. Perscruta. Indaga com copiosos
números os teus, meus, nossos
pequenos sentimentos domingueiros.
Alguém, sentado, no Cais das Colunas,
pesca um preservativo, uma embalagem,
um sonho.
Não. Não são estas as palavras de hoje.
E já os gregos tinham labirintos.
Os peixes róseos, a cantilena que sobe da lota,
o cheiro do mar – feno que te vem
à boca – campos de praia –
ainda nos encantam.
Por isso
entra no carro e acelera o choro.
Tens no porta-luvas um lenço de papel.
Assoa-te. E espera então a noite
em perfeito e desesperado
estado de limpeza.

ARMANDO SILVA DE CARVALHO (1938) – O que Foi Passado a Limpo

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