Ó bravas serpentes que em serras andais
ó dragos ferozes que estais nos desertos
ouvi os secretos que estão encobertos
e vós,
dormedários, também nam durmais.
E tu mui
serena
formosa ave
Fénix, que tanto sem pena
a ti mesma
matas por tua vontade,
vai ver o
Fénix da Santa Trindade,
filho da
Fénix gratia plena,
que está na
cidade.
E tu mui
soberbo lobo poderoso,
que trazes
as unhas cruéis e tengidas
no sangue
d’ovelhas de pouco paridas,
aprende de
Cristo cordeiro amoroso.
E vós, pomba
brava,
que voais
isenta, soberba, alterada,
em essas
montanhas viveis branda vida,
tomai por
espelho a pomba escolhida,
a pomba mui
mansa, a pomba calçada,
de sol é
vestida.
E tu, vil
raposa, que vives d’engano
E matas quem
amas sem nenhum temor,
aprende de
Cristo que só por amor
ofrece à
morte seu corpo humano.
Tu, águia
real,
que vences
os raios do sol natural
com tua
vista per graça divina,
guarda, nam
te cegue o sol da rapina,
pois te
alumia a luz divinal
com sua
doutrina.
GIL VICENTE (1465? – 1536?) – Breve Sumário da História de Deus
(pinturas de Ilda David’, edição de José Camões e
Helena Reis da Silva, posfácio de José Augusto Cardoso Bernardes)
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